Este é o artigo publicado por Ademar Possebom, diretor da agência Altercom, no jornal Fato do último dia 15, como uma forma de compartilhar para um público além do acadêmico alguns resultados da sua pesquisa de mestrado apresentada no final de 2019. Leia o texto completo também neste link do site do jornal Fato.

As notícias de crimes contra a vida das mulheres no ES

Assim, é recomendado zelar para que cada novo crime contra a vida de mulheres deixe de ser noticiado como algo isolado e natural

A Ufes recentemente teve concluída nossa pesquisa de mestrado que apontou a necessidade de a imprensa capixaba contextualizar melhor as notícias sobre os crimes contra a vida das mulheres praticadas neste estado. Basicamente, a pesquisa demonstra que ainda há carência de contextualização; e que essa contextualização, quando é divulgada, deixa de apresentar dois tipos de informações importantes.

Uma dessas informações é que vivemos em um estado que, há pelo menos 20 anos, mantém taxas de homicídios muito acima das médias do violento Brasil. Mais especificamente sobre os homicídios de mulheres, duas pesquisas rápidas nas edições do bastante conhecido Mapa da Violência mostram: que de 2004 a 2012 a taxa capixaba de homicídios de mulheres foi a maior do Brasil (e mais que o dobro da média nacional) (IPEA, 2016, p. 8); e que, ainda em 2017, essa taxa persistia como a sexta maior (e quase o dobro da média nacional, sendo que entre as mulheres negras ainda era a segunda maior do país) (IPEA, 2019, p. 44-46). Sempre é importante lembrar que seguimos com taxas de homicídios muito acima das nacionais.

A outra informação que vale constar nas reportagens sobre crimes contra a vida das mulheres é o que elas, mulheres, já têm feito, organizadas, para enfrentar esse cenário. Existem movimentos, como o Fórum de Mulheres do ES e a União Cachoeirense de Mulheres, que acumulam não apenas reconhecidas reflexões sobre as sinistras recorrências no território capixaba, mas também sobre experiências de enfrentamento dessa realidade (que precisam ser valorizadas). É muito importante dar voz e espaço aos movimentos organizados que lutam em defesa da vida!

Assim, é recomendado zelar para que cada novo crime contra a vida de mulheres deixe de ser noticiado como algo isolado e natural – em especial os que claramente envolvem questão de gênero e, portanto, em casos de morte, precisam ser divulgados como feminicídios (não mais como “crimes passionais”). Além disso, mostrar que há caminhos de mudança.

Reduzindo a abordagem policial dessas notícias, vale abrir bem mais espaço para entrevistas com os cientistas que, em diversas instituições capixabas, estudam esses assuntos e sempre podem enriquecer a reflexão sobre tamanha recorrência. Tudo para evitarmos notícias tratando desses homicídios como crimes avulsos – mas, isto sim, como marcas de que uma trajetória cruel, específica e complexa que constrói o viver neste território.

 

Mestre em Comunicação e Territorialidades pela Ufes.
ademarpossebom@gmail.com

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